Vestindo Autoestima

A moda e o agronegócio

Eu vivo falando sobre consumo consciente e que moda também é sobre política, e no mês que vem eu vou assistir à uma palestra do André Carvalhal falando sobre a importância de a gente ter leis e fiscalizações, para que as empresas possam contribuir de forma mais eficaz com o que as pessoas / consumidores já estão se comprometendo individualmente.

Por enquanto, vou deixando a minha contribuição aqui, falando sobre a relação entre a moda e o agronegócio, pra você entender quantas coisas estão por trás daquela “brusinha” que você compra no impulso.

A moda e o agronegócio

A indústria da moda é uma das mais poluentes (responsável por 4% das emissões totais de gases do efeito estufa, ou 2,1 bilhões de toneladas), e não podemos deixar de citar que o Brasil é o país que mais consome agrotóxicos no mundo desde 2017!

Os agrotóxicos são defensivos agrícolas, que evitam danos econômicos causados por pragas, doenças e plantas daninhas, e eu vou falar nesse texto de dados que o estudo divulgou sobre as principais fibras utilizadas na indústria da moda brasileira: algodão, poliéster e viscose.

Os agrotóxicos na cultura do algodão

Segundo o “O estudo Fios da Moda: Perspectiva Sistêmica para Circularidade”, o algodão é a quarta cultura com maior volume de consumo (10% do consumo total do Brasil é referente ao algodão) e é a cultura que mais aplica agrotóxicos por hectare.

A cultura do algodão utiliza 10 tipos de agrotóxicos, entre eles o glifosato e acefato, que podem causar diversos males à saúde – incluindo o aborto espontâneo e alto potencial carcinogênico.

A rede produtiva do Brasil é a mais completa do ocidente: da extração da matéria-prima, a transformação da fibra, confecção e venda, o país possui todos os setores operando em território nacional. Curiosamente, somos também um dos países cuja a produção é quase em sua totalidade certificada BCI (Better Cotton Initiative) ou, “algodão sustentável”, como é chamado pela Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão) e pela indústria da moda em geral.

Os agrotóxicos na produção da viscose

A cultura de eucalipto é uma das mais utilizadas pela indústria têxtil, já que usa a celulose na produção da viscose. 

Diferentemente do que acontece com o algodão e outras culturas, no cultivo do eucalipto o controle químico não é preventivo, e é usado somente em duas situações:

Ainda assim, estudos apontam que a cultura de eucalipto utiliza 7 tipos dos agrotóxicos mais vendidos no Brasil, e o país está entre os 10 principais produtores de celulose, representando cerca de 11% da produção mundial, de acordo com uma pesquisa de 2019.

A celulose é a principal massa celular estrutural das plantas, e também pode ser  extraída a partir de outros vegetais, como árvores de pinheiro, algodão e bambu.

As etapas de preparação da celulose que mais causam impactos ambientais são a etapa florestal, o branqueamento e a destinação dos resíduos.

A produção do poliéster e os impactos na natureza

O poliéster é segunda fibra produzida no Brasil, representando 5% da produção nacional, e foi incluída nesse estudo porque também impacta no meio ambiente. Foram considerados no estudo:

O poliéster inicia sua cadeia produtiva com o refino de petróleo e a obtenção da nafta. O uso de combustível fóssil faz do poliéster a fibra campeã em emissões de gases de efeito estufa. 

Enquanto o algodão leva de 10 a 20 anos para se decompor, alguns tecidos sintéticos demoram entre 100 e 300 anos e o poliéster pode levar até 400 anos.

O poliéster reciclado, feito a partir de garrafas PET, cresceu nos últimos anos.

A relevância da reciclagem é indiscutível, mas o relatório “Fios da Moda” aponta para o fato de que o problema não é solucionado, mas apenas muda de endereço, afinal, se o material oriundo da reciclagem de garrafa PET não volta para a produção das garrafas, mas é direcionado a outros produtos como o poliéster, as novas garrafas PET que chegam ao mercado continuarão demandando matéria-prima virgem em sua produção.

Já quando a gente fala de algodão, ele é 100% reciclável: Ou vai ser reciclado na forma de fibra, retornando para o ciclo industrial, ou ele vai apodrecer e virar um composto. Eu falei mais sobre o algodão x poliéster nesse texto aqui.

O uso de agrotóxico tem impacto nas pessoas e na natureza

Quando se fala do uso de agrotóxico, sabemos do impacto na comunidade local e nos trabalhadores que lidam diretamente com os produtos, mas é importante dizer que é uma poluição irrecuperável, visto que essas substâncias não são absorvidas pela natureza e os males podem ser irreversíveis.

Enquanto o governo do Brasil criava estratégias que justificassem o uso destes produtos, incrementado a partir do golpe militar em 1964, Rachel Carson, uma biologia-escritora dos EUA, alertava no mesmo ano através do seu livro Primavera Silenciosa, sobre as consequências nefastas destes produtos.

Segundo ela, trata-se do ataque mais alarmante dos ataques do ser humano para com o meio ambiente, representando a contaminação do ar, do solo, dos rios e dos mares por materiais perigosos e letais.

Orgânico x Agroecológico

Muitas pessoas passaram a comprar produtos de tecido orgânico como uma forma de diminuir o impacto ambiental, e por isso é importante dizer que, apesar de ser melhor, não é o ideal.

Segundo o Dicionário de Educação do Campo, a agroecologia constitui “um conjunto de conhecimentos sistematizados, baseados em técnicas e saberes tradicionais dos povos originários e camponeses que incorporam princípios ecológicos e valores culturais às práticas agrícolas que, com o tempo, foram descolonizadas e desculturalizadas pela capitalização e tecnificação da agricultura”.

As práticas agroecológicas objetivam a reprodução da vida a partir de uma agricultura de subsistência (que podem ser intercaladas com culturas para aumentar a renda da família, como algodão e gergelim) e fora do ciclo capitalista, prezando pelo acesso à alimentação e distribuição da terra.

A produção orgânica não necessariamente envolve métodos agroecológicos ou socialmente justos. São culturas cuja produção é livre de insumos de origem petroquímica (agrotóxicos) e costumam objetivar o lucro (a venda no mercado). A produção orgânica pode, igualmente à agricultura tradicional, acontecer em vastas extensões de terra e reforçar os modelos de grandes culturas do agronegócio.

Qual a solução para a relação da moda e o agronegócio?

O relatório desse estudo, produzido pela mídia independente Modefica, o Centro de Estudos em Sustentabilidade (FGVces) a consultoria para sustentabilidade Regenerate Fashion, com financiamento da Laudes Foundation, destaca a falta de transparência e de comprometimento de empresas com a descarbonização de sua rede de fornecimento.

Segundo o Índice de Transparência Brasil 2020, apenas 28% das 40 marcas analisadas publicam suas políticas sobre uso de energia e emissões de carbono em suas cadeias de abastecimento.

A pesquisa apresenta caminhos para tornar a indústria mais circular, evitando que o resíduo têxtil termine em aterros e lixões: Opções como a logística reversa, algodão orgânico e a substituição da matriz energética por energia limpa podem reduzir as emissões em até 70%.

Em 2018, foram geradas 79 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos (SOUZA, 2019) no Brasil, dos quais 92% foram coletados e enviados para aterros sanitários. Nesse sentido, o aumento das práticas de reciclagem de têxteis e o investimento em tecnologias de reciclagem podem ter uma redução significativa nos resíduos sólidos.

Além disso, é importante dizer que mesmo com a reciclagem eficiente de todos os têxteis, as fibras sintéticas, como o poliéster, ainda representam poluição pela liberação de fibras microplásticas em cada ciclo da lavanderia.

Nesse texto aqui eu falei sobre o projeto de grandes marcas brasileiras e internacionais para recolher e reciclar roupas usadas para diminuir o impacto ambiental. Também postei a “vitrine consciente” da H&M lá no instagram:

Para finalizar, a Marina Colerato, coordenadora do projeto Fios da Moda diz: “A vontade de produzir um relatório sobre têxteis está ligada à urgência da transformação que precisamos fazer acontecer na próxima década se quisermos garantir condições de vida minimamente estáveis na Terra frente a um cenário climático em profunda transformação”.

Para baixar o relatório completo, você pode clicar nesse link aqui!

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