Se você gosta de moda e consumo consciente, com certeza já ouviu falar do tamanho do lixão de roupas que tem no deserto do Atacama (e que é tão grande que dá pra ver a olho nu do espaço!), e eu ouvi falar sobre o projeto Atacama Re-commerce no dia que foi lançado (no último dia 15 de março – dia do consumidor) e vim aqui contar pra vocês!
Eu sou consultora de estilo desde 2014 e o consumo consciente é um dos maiores pilares do meu trabalho, e ao mesmo tempo que eu educo clientes e seguidores sobre como consumir moda sem ser consumista, eu também acredito que as marcas podem continuar tendo lucro mesmo sem produzir tanto quanto produzem atualmente.
Todos nós somos engrenagem dessa grande máquina que é a indústria da moda, e eu gosto de falar que existem duas formas de diminuir a velocidade dessa máquina, e uma delas depende diretamente da forma como a gente consome: consumir melhor, para consumir menos.
A outra é de responsabilidade das empresas em geral, mas a gente como consumidor também pode influenciar que isso aconteça, evitando consumir qualquer coisa que as marcas fabricam só pra consumir novidades! E é aqui que o projeto Atacama Re-commerce entra como uma parte dessa solução!
Mas antes de explicar melhor sobre o projeto Atacama Re-commerce, vou falar sobre o conceito de “obsolescência programada”, que é uma das maiores engrenagens do consumismo!
O que é obsolescência programada
Você já se perguntou porque os eletrodomésticos (roupas, sapatos, móveis e outras coisas) mais antigos duram mais que os novos? A resposta é: por causa da obsolescência programada!
A obsolescência programada é exatamente o que o nome sugere: um prazo determinado para que algo se torne obsoleto, para que seja substituído por um novo. As coisas começaram a ser feitas para não durar pra sempre, porque se tudo fosse durável, as empresas não iam vender outros itens com tanta frequência quanto acontece agora.
Imagina você casar e herdar os eletrodomésticos da sua avó e não precisar comprar novos? Herdar roupas das suas primas e irmãs mais velhas, ao invés de os seus pais comprarem tudo novo? Deixar suas roupas para as suas filhas e netas usarem? Para que o capitalismo dê certo (para os milionários donos de empresas), a gente precisa continuar comprando coisas novas e substituindo as coisas antigas.
Sabe aquela frase que diz que “não existe jogar fora porque tudo fica aqui no Planeta”? Pois é! Foi assim que o lixão do deserto do Atacama ficou cheio de resíduos têxteis, incluindo muitas roupas em perfeito estado de uso (que é sobre o que o projeto Atacama Re-commerce vai falar): porque as pessoas compram mais roupas do que precisariam e não têm espaço em casa para manter todos os itens.
Mas, nem sempre as pessoas compram coisas novas (incluindo roupas) porque as antigas não funcionam mais. A gente acaba vendo as roupas como “descartáveis” tanto pela velocidade da moda (as pessoas param de usar uma peça porque “todo mundo já viu” ou porque saiu de moda) quanto pela qualidade das peças – que não foram feitas para durar muito! E uma coisa vai alimentando a outra, percebe?
Eu sempre indico que a cliente doe ou venda as peças que estão paradas no guarda-roupas (ou até mesmo transforme a peça, com pequenos ajustes na costureira) e que a gente não vai conseguir manter porque ela não funciona para a cliente, mas a maioria das pessoas acha mais fácil jogar no lixo comum mesmo.
O projeto Atacama Re-commerce
Atacama RE-commerce, um projeto desenvolvido pela agência de publicidade Artplan e assinado pela VTEX (uma plataforma de e-commerce) e o Fashion Revolution Brasil, estava oferecendo roupas descartadas por grandes marcas de forma gratuita, com os consumidores pagando apenas o frete.
O RE-commerce Atacama é um projeto para transformar o descarte indevido de roupas no Deserto do Atacama em solução, ajudando a limpar esse espaço que recebe mais de 40 mil toneladas de roupas por ano e incentivando uma reflexão sobre o modelo de superprodução e consumo!
Uma equipe especializada realizou a curadoria dos itens, garantindo que as roupas estivessem em boas condições para a revenda nesse primeiro drop / lote. As peças foram higienizadas, organizadas e disponibilizadas na plataforma digital. Os consumidores acessaram o site, escolheram os produtos e pagaram o valor do frete, como se estivesse comprando em um grande bazar beneficente – e o beneficiado foi o Planeta, e por consequência, todos nós.
Como já era esperado, as peças acabaram em poucas horas na sua estreia, dia 17/03/25. Foram vendidas 300 peças em 5 horas, em países como Brasil, Chile, Espanha, França, EUA, China e Reino Unido. Agora, há mais 2 toneladas de roupas já higienizadas, que estão sendo catalogadas e logo estarão disponíveis. A ideia é que o site fique aberto e lance mais diversos drops. Vai ser algo super recorrente e, conforme a equipe for recolhendo mais roupas, vão limpando e disponibilizando para venda no site do projeto Atacama Re-commerce – então, fica de olho!
Pelo que eu vejo com frequência na etapa de revitalização do guarda-roupas das minhas clientes da consultoria de estilo, a maioria das peças que vai sair do guarda-roupas foi comprada por impulso e nunca foi usada porque não faz sentido ser mantida, e eu sempre falo que comprar em excesso em brechó não conta como “consumo consciente”. Não vale participar dessa iniciativa pela ideia de ter uma peça nova “de graça” ao invés da intenção de ajudar o planeta, tá?
Consumo consciente e qualidade das roupas
Agora que você já sabe o que é obsolescência programada e como funciona o Atacama Re-commerce, você consegue entender que as marcas não fazem peças que vão durar muito porque a moda dura pouco e as pessoas vão querer comprar algo novo assim que a tendência mudar, para estarem sempre na moda. Elas não se incomodam que as peças não durem muito porque sabe que as pessoas já compram roupa pensando em usar só uma vez ou em um evento específico, e isso reforça a ideia que as marcas têm de que não precisam fazer algo com mais qualidade.
Ao mesmo tempo, tem quem compre algo que é mais caro pensando que está comprando algo melhor (não compra na Shein, mas compra na Zara, porque é mais famosa, conhecida e tem “cara de grife”), pensando que o preço está relacionado com a qualidade – e nem sempre está. Eu já falei sobre isso e ensinei como comprar Zara na Aliexpress para te ajudar a economizar!
Percebe que a pessoa que compra a peça na Zara por R$379 acha que está comprando algo melhor do que a peça que custa R$92 na Aliexpress, mas na verdade está pagando mais caro numa peça que custou muito menos (é por isso que as marcas que usam trabalho escravo conseguem ter lucro mesmo nas liquidações).
E é por isso que eu falei lá no começo do texto que o consumo consciente é um dos maiores pilares do meu trabalho. A economia é um dos benefícios da consultoria de estilo porque os clientes aprendem a comprar melhor e economizam, tanto na hora de comprar algo que realmente tenha qualidade e valha o custo benefício (que eu ensino a calcular aqui nesse outro texto) quanto por não sentir falta de ter mais peças, porque ganha mais repertório de moda e do seu estilo pessoal.
Essas pessoas acabam descartando parte das roupas que estão paradas no guarda-roupas (por motivos variados) e substituindo por alguma coisa mais nova, que não são, necessariamente, diferentes do que foi descartado. A moda é cíclica e a peça que você jogou fora hoje vai ser comprada de novo em alguns anos – por você, numa outra loja, ou por outra pessoa, em projetos como o Atacama Re-commerce.
Eu estou fazendo a minha parte, como consultora de estilo e como cidadã / consumidora. E você?