Eu já estava planejando fazer um texto falando sobre o uso de bermuda no trabalho quando eu vi a notícia de que uma jornalista tinha sido proibida de voltar às dependências do prédio por dois agentes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, órgão responsável pela segurança do Palácio do Planalto, na tarde desta segunda-feira (20/09/2021), porque ela vestia uma bermuda de alfaiataria.
Eu falei sobre o assunto lá no instagram, mas agora vou aprofundar o assunto aqui e explicar por que usar bermuda no trabalho é tão polêmico!
Jornalista é barrada no Palácio do Planalto por usar bermuda de alfaiataria
Nas matérias divulgadas na internet, a notícia é que a jornalista Nathalia Fruet, do SBT, já tinha entrado no prédio, por meio da entrada principal, e que não foi questionada sobre sua vestimenta. Mas, no horário do almoço, ela deixou o prédio principal do Planalto e se dirigiu aos anexos, onde fica localizado o restaurante. Ao voltar ao prédio principal, quando ela precisaria passar pela entrada que dá acesso ao anexo da Vice-Presidência, os seguranças do GSI não permitiram a sua passagem.
Essa foi a foto que ela tirou ao voltar pra casa para trocar de roupa, conforme instruções do chefe de gabinete do GSI, para que ela entrasse no prédio. Mas antes, ela foi acompanhada por seguranças até a sala do comitê de imprensa para que ela pegasse os seus itens pessoais. Sério isso? Em pleno 2021?
Eu sempre falo aqui e lá no instagram que dress code é pra ser obedecido (ainda que a maioria deles precise ser revisado), mas a norma interna da Presidência estabelece que “o traje e a indumentária complementar devem ser adequadas ao ambiente”. O texto proíbe o uso de bonés e chapéus, por exemplo, mas não menciona a proibição de bermudas de alfaiataria.
“[É] proibido o uso de vestimentas inadequadas, assim consideradas aquelas que, tendo em vista o padrão médio de comportamento local, são incompatíveis ou não condizem com o respeito, o decoro e a austeridade da Administração Pública”, determina a norma, datada de 2018.
Já falei sobre dress code e machismo na política nesses dois casos anteriores, e vale a pena ler:
- O decote da deputada Ana Paula da Silva na cerimônia de posse, que foi notícia, enquanto o deputado Amauri Ribeiro estava com a sua mulher, Cristhiane, sentada no seu colo enquanto usava chapéu (que não é permitido pelo regimento da Assembleia Legislativa)
- A crítica à roupa da vereadora Camila Valadão, que também estava de acordo com o dress code do evento
Ontem começou a primavera, que é uma estação mais quente, e acho que é uma boa oportunidade para falar do uso de bermuda no trabalho e sobre a flexibilização do dress code.
O uso de bermuda no trabalho
Falar sobre o uso de bermuda no trabalho não é uma novidade, e por isso sempre me incomodo quando o assunto volta à tona com cara de polêmica.
Em 2018 eu falei do movimento Bermuda Sim, que foi criado por 3 cariocas para impulsionar a aceitação do uso de bermuda no trabalho nos dias mais quentes, quando falei de looks masculinos para um dress code mais casual.
Também em 2018 eu falei sobre looks elegantes de trabalho no verão, de acordo com o dress code, pra cada nível de formalidade, e também sugeri o uso de bermuda em empresas com o dress code mais casual.
Em 2019 eu falei sobre uniforme de verão, e também citei alguns casos muito pontuais de empresas que estavam permitindo a bermuda no trabalho, como a Polícia Militar de alguns estados que também já usa bermuda no lugar da calça da farda e sandália no lugar do sapato fechado com meia.
Numa matéria de 2014 da revista Exame, eles mostraram 8 empresas que liberam o uso de bermuda no trabalho, mas eu percebi uma curiosidade que escancara o machismo: Apenas uma dessas 8 empresas tem mulheres usando bermuda (Walmart).
Essa polêmica toda me fez pensar num assunto que também não é novo: Afinal, porque é permitido o uso de saia e não de bermuda no trabalho?
O uso de saia x bermuda no trabalho
Não é preciso estudar moda e nem entender de dress code pra saber que é muito mais comum as mulheres usarem saia do que bermuda no trabalho. Eu pretendo voltar a falar desse assunto com mais calma e trazer um pouco mais de informação sobre o assunto, pra gente tentar entender os motivos (além do machismo, já que “não pode” não é explicação nem pra criança) que fazem as saias serem mais aceitas do que as bermudas no ambiente de trabalho – inclusive em cores e tecidos diferentes das pretas mais clássicas e formais!
Em 2014 o ilustrador carioca André Amaral Silva, que trabalha em um prédio no Centro do RJ, onde homens são proibidos de entrar de bermuda, achou uma alternativa inusitada para driblar o calor: foi trabalhar de saia!
Isso aconteceu porque a norma do prédio fala na proibição do uso de bermudas pelos homens, mas não fala nada sobre o uso de saias, que é uma solução para as mulheres não precisarem usar calça comprida no calor.
Na chegada ao prédio, ele foi alertado pelo porteiro de que não poderia entrar. “Pela manhã, quando cheguei, o porteiro disse que não podia entrar. Contrargumentei que, se as mulhetes têm esse direito, eu estava correto. O administrador do prédio, que é policial militar, foi muito sensato e esclarecido. Orientou o funcionário a permitir e entrei”, explicou o ilustrador.
Em entrevista ao G1 na época, ele finalizou: “Os políticos, em seus carros particulares com motoristas, não pensam no que passamos. O que passo é difícil, mas quem vem do Subúrbio tem esse problema multiplicado por ‘n’ vezes. Os porteiros, os caras da limpeza pegam uma condução que demora quatro horas, que enguiça, vem todo mundo andando e ninguém fala nada”, afirmou.
Já falei que moda também é sobre política, né? Pois essa fala dele fecha bem o assunto, e fica aqui o pedido para a gente colocar mais mulheres na política para pensarem nessas questões!