De vez em quando eu me posiciono sobre política lá no instagram e sempre tem alguém comentando que vai parar de me seguir por eu pensar diferente, ou que eu não deveria misturar moda com política, mas eu realmente acredito que esses assuntos se misturam, já que eu trabalho com e para pessoas, e por isso, às vésperas de uma nova eleição, eu vim falar que moda também é sobre política.
Eu sempre falo que consultoria de estilo é mais que roupa, e se você nunca tinha pensado sobre isso, vale ler esse texto aqui pra entender melhor sobre como eu penso o meu trabalho.
Moda também é sobre política
Na semana passada eu falei sobre o terno branco da Kamala Harris e como ela estava comunicando seu posicionamento político e o que ela acredita e defende através da sua roupa, e isso não acontece só porque ela é a vice-presidente dos EUA, e sim porque ela é uma pessoa, como eu e você.
Só esse motivo já seria suficiente para eu explicar que moda também é sobre política, afinal, política é sobre pessoas, sobre os nossos direitos e os nossos deveres como cidadãos. Mas, além disso, eu defendo a liberdade de a gente poder ser quem a gente quiser e usar a roupa que a gente quiser, e política tem tudo a ver com a liberdade de a gente se expressar livremente.
Eu também sou feminista e anti-racista, e ao me considerar assim, eu me posiciono para defender esses grupos de pessoas que vão ser defendidos ou ameaçados por quem estiver no governo – que também vai defender ou ameaçar esses grupos de acordo com os seus valores.
Então, se falar sobre política é falar sobre os nossos valores, e o meu trabalho tem como valor a liberdade de expressão da personalidade das minhas clientes, é sobre isso que eu estou falando quando misturo moda e política. Entende?
Exemplos de quando moda e política se misturaram
Além do caso do terno branco da Kamala Harris, eu também já falei aqui sobre como o Louis Hamilton usa a moda para falar sobre racismo – que também é uma questão política.
Também já falei nesse outro texto aqui sobre como mulheres poderosas como a Angela Merkel usam a moda para mostrar credibilidade e outros valores importantes que ela quer transmitir. Mas, vou citar alguns exemplos de quando moda e política se misturaram fora do ambiente político propriamente dito.
Estrelas de Hollywood usam roupa preta contra o assédio sexual
Em 2018, homens e mulheres foram ao Globo de Ouro demonstrar apoio à campanha Time’s Up, criada para proteger vítimas de assédio na indústria do entretenimento.
A famosa frase que diz que “uma imagem vale mais do que mil palavras” aqui fica evidente. Todo mundo que passava pelo tapete vermelho usando uma roupa preta nesse dia estava comunicando que não concordava com o que estava acontecendo, e usaram a visibilidade mundial para chamar a atenção para o assunto.
Estrelas de Hollywood protestam no Grammy usando uma rosa branca
Também em 2018, no Grammy, a rosa branca foi usada no look como código de comunicação e protesto, e várias famosas aumentaram o potencial do protesto ao usar o preto – que é considerada uma cor que teve inúmeros significados ao longo da história, e comunica poder, negócios, negação, força e austeridade.
Mariana Ximenes usa vestido com cartazes de filmes nacionais após censura da Ancine
Em dezembro do ano passado, em meio aos ataques do atual governo ao cinema nacional, artistas têm se mobilizado para viabilizar iniciativas culturais e divulgar a importância da cultura brasileira.
No posto de apresentadora da 21ª edição do Festival do Rio, Mariana Ximenes foi ao evento com um vestido estampado com cartazes de filmes nacionais.
O ‘look’ da atriz foi apresentado uma semana após a Agência Nacional do Cinema (Ancine) decidir retirar cartazes de filmes brasileiros de sua sede e de seu site.
“Celebrar a abertura do Festival do Rio este ano é uma vitória para a cultura nacional. O evento é tão emblemático e quase não aconteceu. Mas nos mobilizamos e colocamos o festival na rua. E nós seguimos lutando. Nosso cinema é tão rico, tão diverso, tão plural, e histórico. E eu trouxe essa história no meu vestido, no palco comigo”, disse Ximenes.
Modelos carregam cartazes com frases de Bolsonaro no desfile da marca Think Blue
A Think Blue trabalha com jeans reaproveitados de calças jeans doadas ou garimpadas, tornando o processo têxtil circular e sustentável, dando um novo destino às peças consideradas descartáveis. Além da pegada mais ecológica da marca, na 2ª edição Brasil Eco Fashion Week (BEFW), em 2018, também foi mostrado seu o lado político e social: as modelos entraram segurando cartazes com frases machistas, homofóbicas e misóginas proferidas pelo então eleito presidente Jair Bolsonaro.
Pablo Vittar usa look para protestar sobre o vazamento de óleo nas praias do litoral nordestino
Pablo Vittar foi eleita a Melhor Artista Brasileira do MTV Ema 2019, e para esse momento marcante de sua carreira, a cantora desfilou pelo tapete vermelho usando um vestido de látex feito especialmente para ocasião. Criador do look, Rober Dognani apostou no modelo em recortes de tecido preto – por cima de um body floral com mangas bufantes.
Ela confirmou que usou o figurino para protestar contra o descaso governamental com as toneladas de óleo derramado nas praias brasileiras.
Pablo Vittar usa look para protestar contra a homofobia
Para a 22º parada Gay, no ano passado, a Pablo Vittar escolheu a roupa como forma de protesto contra a homofobia! Ela usou uma capa com manchetes de mortes de gays, lésbicas e transsexuais, destacando a frase “Parem de nos matar“. O look é do estilista Paulo Tawdr com estampa de Gabriel Azevedo e styling de Victor Miranda.
Gangue Pink: mulheres ativistas usam rosa para combater a violência doméstica na Índia
Gulabi Gang, que significa literalmente gangue cor-de-rosa, é o nome de um grupo de mulheres ativistas que se juntaram para combater a violência doméstica e proteger as que estão em situação vulnerável, vestidas com um sári pink, no norte do estado de Uttar Pradesh, na Índia.
Sobre esses pedaços de bambus que aparecem na foto, não são meramente ilustrativos: As mulheres da gangue pink vão às casas dos maridos violentos e lhes dão um belo corretivo.
Em 2008, esse mesmo grupo entrou no escritório da companhia de luz elétrica da Índia e obrigou a empresa a restabelecer a energia que tinha sido cortada para extrair propina e subornos e também brigaram pelo fim do casamento infantil e pela alfabetização das mulheres. Maravilhosas!
Moda é reflexo cultural
Eu sempre falo que roupa comunica, e olhando para a história da moda, a gente vê que a roupa sempre foi usada como uma forma de mostrar a nossa posição social, e a gente consegue entender muito sobre a sociedade de acordo com o que as pessoas usam nos períodos mais difíceis da história.
Já falei nesse texto aqui como a moda foi usada como uma forma de “compensar” todo o sofrimento que aconteceu durante a segunda guerra mundial e trazer o luxo e a sofisticação de volta aos looks das mulheres, que tinham passado por longos períodos de escassez.
A silhueta A, que foi inventada por Dior naquela época e ainda é usada até hoje, era uma forma de expressar a feminilidade que ficou escondida durante o guerra, e a delicadeza da Marilyn Monroe virou o ideal de beleza da época.
O mercado da moda é impactado pela economia
Por último, mas não menos importante, vale dizer que o mercado da moda é diretamente impactado pela economia, que está diretamente relacionada à política e aos investimentos que os governantes fazem.
Durante a quarentena, por exemplo, o mercado da moda foi um dos que mais sofreu. Por não ser um artigo de primeira necessidade, só continuou comprando roupa quem não estava se sentindo ameaçado financeiramente.
O meu trabalho como consultora de estilo é diretamente impactado pelo mercado da moda, e esse também é um motivo pelo qual eu falo sobre política e quero que os nossos governantes sejam pessoas que invistam e promovam o mercado nacional.
A roupa dos políticos comunica
Quando a gente lembra do ex-presidente Lula vestindo o uniforme dos petroleiros, ou o atual governador de São Paulo, João Doria, vestido de gari, ou o presidente Jair Bolsonaro usa camisetas de futebol, ternos mal cortados e chinelos a gente está falando de escolhas que colaboram para o afastamento do imaginário popular de uma política tradicional, com o objetivo de se aproximar das classes médias, assim como a Kamala Harris fez ao usar tênis Converse durante a campanha, e eu mostrei lá no instagram:
Um look nunca é só roupa, e se você ainda não se convenceu de que moda também é sobre política, vale a pena ler esse meu outro texto aqui, que fala de como a política influencia a moda!
Vote consciente amanhã! O meu voto em 2018 foi contra o Bolsonaro, e em 2022 foi também!