Antes de me tornar consultora de estilo em 2014 eu trabalhei 12 anos em recursos humanos, e sempre que falo de dress code ou uniforme é importante falar de duas prioridades que estão presentes na hora de criar essas peças para o ambiente de trabalho: conforto e adequação!
Mas, quando o assunto é os uniformes femininos nas Olimpíadas 2021, infelizmente não é bem assim, e é sobre isso que eu vou falar hoje.
Os uniformes femininos nas olimpíadas e o machismo nos esportes
Quem acompanha o meu trabalho lá no meu instagram sabe que mais do que falar da roupa que veste a mulher, eu falo da mulher que veste a roupa, esse é o meu trabalho, e é o que eu acho que é muito mais importante. E não falar do machismo e sexismo que existe no esporte não seria uma opção pra mim. Também já falei sobre a relação da moda com o machismo estrutural nesse outro texto aqui, e como os uniformes femininos nas olimpíadas 2021 também são uma roupa, também é um assunto de moda!
A moda é feita para as mulheres, mas pensada por homens, e não seria diferente com as roupas que as mulheres usam enquanto fazem esporte. Não é de hoje que as mulheres estão lutando pra diminuir essa sexualização do corpo feminino no esporte, e eu vou falar de alguns movimentos de atletas que usaram os uniformes como sinalização da necessidade dessa mudança, que estamos vendo agora em destaque nas Olimpíadas 2021.
Os uniformes da Serena Williams
Serena Williams sempre se posiciona contra o machismo, a desigualdade entre os gêneros e o racismo, e a polêmica com os seus uniformes começou quando ela foi proibida pelo presidente da Federação Francesa de Tênis, Bernard Giudicelli, de vestir macacão nas quadras do tradicional torneio de tênis de Roland Garros.
A Nike tinha desenvolvido uma peça justa ao corpo para estimular a circulação sanguínea dela, já que ela enfrentou sérias complicações pós-parto relacionadas à circulação. “Parece que este traje representa todas as mulheres que passaram por muitas dificuldades, mental e fisicamente, para voltar a ter confiança e acreditar em si mesmas”, disse Williams, dedicando sua ousadia às mães. “Essa roupa fez com que me sentisse como uma princesa guerreira, tipo a rainha de Wakanda”, arrematou ela se referindo ao filme ‘Pantera Negra’.
Depois da proibição do macacão, Serena Williams voltou às quadras usando um look inspirado no clássico tutu de bailarina.
Na época, Serena Williams foi acusada de ferir o “dress code” do torneio. “Você pode tirar o uniforme da super-heroína, mas nunca seus superpoderes”, foi a resposta da Nike à Federação Francesa de Tênis.
Multa por usar shorts ao invés de biquíni
Apesar de o assunto ser os uniformes femininos nas Olimpíadas, não dá pra falar do que aconteceu esse mês com a seleção norueguesa de handball de areia, que foi multada em 1,5 mil euros (cerca de R$ 9,2 mil) por usar shorts e não biquíni na disputa do Campeonato Europeu de Handebol de Praia de 2021.
Quando a gente vê a foto da seleção feminina ao lado da seleção masculina e compara o uniforme deles, o machismo fica ainda mais visível: O uniforme que elas usaram com shorts é exatamente igual ao usado pela seleção masculina, mas o shorts mostra menos o corpo feminino!
Segundo a federação, o uso de shorts vai contra o regulamento da competição por serem “trajes impróprios”, mas a associação que cuida do esporte na Noruega defendeu suas atletas, dizendo que o mais importante era que elas estivessem confortáveis para jogar a partida.
A ideia desse post é exatamente essa: mostrar que dá pra fazer uniformes femininos para as atletas que sejam confortáveis, bonitos e que funcionem de acordo com a necessidade de cada esporte, sem expor as atletas.
A vitória das mulheres no Badminton
Até 2012, Federação Mundial de Badminton (aquele jogo de peteca) obrigava mulheres a usarem saias para ‘tornar esporte mais feminino”, e atualmente as atletas podem escolher como vão competir.
Nessa foto abaixo, a atleta Soraya Aghaei Hajiagha, do Irã, compete de calças e hijab, que é uma espécie de lenço que muitas mulheres muçulmanas usam para cobrir os cabelos, orelhas e pescoço.
Além do hijab, cerca de dois terços das atletas mulheres usavam shorts, enquanto outras usavam short saia, vestidos e saias nas partidas de badminton dessas olimpíadas.
O uso do hijab nas olimpíadas
Vale a pena dizer que o uso do hijab não era permitido em muitos esportes, justamente por “quebrarem o dress code”, e por isso, as mulheres muçulmanas passaram muito tempo sem poder participar das olimpíadas e jogos oficiais.
Em 2017, vendo a dificuldade que as atletas muçulmanas tinham para competir em alto nível, por não terem um hijab adequado para a prática esportiva (muitos ficam saindo do lugar ou encharcam de suor), a Nike criou um hijab próprio para para praticar esportes. Todo o desenvolvimento da peça foi feito em conjunto com atletas, para garantir um caimento perfeito.
Não dá pra falar de uniformes femininos nas olimpíadas sem falar da esgrimista Ibtihaj Muhammad, a primeira mulher norte-america muçulmana a participar (e ganhar uma medalha) usando o hijab, fazendo história na Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016.
A Mattel lançou a Bárbie usando hijab em homenagem à Ibtihaj Muhammad, que ajudou milhões de meninas e mulheres muçulmanas a se verem representadas pela primeira vez. A iniciativa da fabricante surgiu como parte do projeto “Shero” em 2017, que lança de tempos em tempos uma boneca inspirada num grupo de mulheres inspiradoras.
UPDATE: Apesar de ser um caso realmente inspirador, e de a gente ter avançado no direito das mulheres muçulmanas, e de uma jogadora da seleção do Marrocos (Nouhaila Benzina, de 25 anos) ter usado o hijab na Copa do Mundo 2023 pela primeira vez na história do esporte, estão falando em não permitir o uso do hijab nas olimpíadas de 2024, na França.
Eu mostrei essa conquista das mulheres muçulmanas, que podem usar o hijab nos jogos da Copa do Mundo nesse outro texto aqui. Vamos ficar de olho!
A luta da Marta pela igualdade salarial
A primeira matéria que eu vi envolvendo os uniformes femininos nas Olimpíadas 2021 foi sobre a seleção brasileira de futebol (que é um esporte que eu acompanho muito), com a rainha Marta escondendo o patrocinador da seleção com o cabelo.
Marta tem seis bolas de ouro e é a melhor jogadora de futebol do mundo, luta por uma remuneração apropriada para as grandes atletas femininas, que não tem patrocinadores como a Adidas, Puma ou qualquer outra grande empresa de equipamentos esportivos – que é normal no futebol masculino e com jogadores específicos, como o Neymar (ela recusou todas as propostas das marcas esportivas por considerar que os valores não estava de acordo e está sem patrocínio desde 2018).
Ao “cobrir” o símbolo da fornecedora dos materiais esportivos da seleção brasileira nas fotos, a Marta mostra que não concorda com a desigualdade entre atletas do futebol masculino e feminino, além da desigualdade dos contratos de patrocínio e de contratos de trabalho – que também é uma forma de machismo nos esportes.
Desde 2019 Marta usa uma chuteira com a frase “Go equal” e nas Olimpíadas ela também vai usar. “Estou usando a mesma chuteira. Com o mesmo símbolo, o ”Go equal”. E continua sendo uma opção minha. Não é só pelo dinheiro em si. É toda uma história. Mas muitas vezes, os contratantes da patrocinadora não enxergam por esse lado. É um conjunto de coisas para a minha decisão. E posso ver que, por outro lado, isso ajudou outras atletas.” disse Marta, ao GE.
Por essas e outras a Marta é uma das minhas maiores ídolas no esporte e na luta pela igualdade salarial entre homens e mulheres! E não, a Marta não é “o Neymar de saia”! Em termos de números, ela é muito melhor que o Neymar, então, podemos dizer que o Neymar é a Marta sem seis bolas de ouro e com mais visibilidade – e o nome disso é machismo!
Ginastas alemãs abandonam os collants
Ontem (22/07/2021) foi o dia que eu decidi torcer pela Alemanha pela primeira vez desde os 7×1 na Copa do mundo de 2014, e a responsabilidade por isso é das ginastas, que resolveram abandonar os collants e usar legging nas apresentações para evitar a sexualização do corpo feminino!
Ao contrário do que aconteceu com a seleção de handebol de praia da Noruega, o uso de vestimentas de corpo inteiro (conhecidas pelo termo em inglês full-body suit), não é proibido na ginástica. Seu uso é previsto no regulamento da Federação Internacional de Ginástica (FIG) com o objetivo de incluir atletas que não podem usar os collants cavados na virilha, normalmente por motivos religiosos. Mas o que as alemãs fizeram foi um posicionamento político.
Esse movimento começou depois de algumas atletas denunciarem membros das seleções. Quem quiser saber mais sobre os casos de assédio sexual na ginástica olímpica, vale a pena ler essa matéria.
“Temos a ideia de que cada ginasta deve estar confortável com as roupas que usa, e por isso criamos essa vestimenta. É muito importante que cada mulher use aquilo que ela quiser”, explicou, ao UOL Esporte, a ginasta Pauline Schäfer. Eu concordo muito, Pauline. E estou na torcida (literalmente!).
Os uniformes do Skate nas Olimpíadas 2021
Mostrando que dá pra unir conforto, dress code e funcionalidade nos uniformes, a Nike fez uma coleção com mais de 20 peças para os atletas do Skate, que poderiam escolher que roupa usar, ou seja, além de não desrespeitar as mulheres, ainda valorizou o estilo de cada atleta! Maravilhoso!!
Além de lindas, as peças também são sustentáveis, porque foram feitas com poliéster reciclado!
E é óbvio que essa estratégia não funciona para todos os esportes e para todos os uniformes femininos nas olimpíadas. No skate eles competem individualmente, e dá pra ficar todo mundo na mesma paleta de cores / estampas para ter uma harmonia, mesmo com tipos de roupas diferentes – como em qualquer coleção.
Nos esportes coletivos, como o caso do handebol, não dá pra variar tanto (até por conta das características do esporte, já que cada um exige um tipo de movimentação diferente, e por isso as modelagens precisam variar), mas espero que o exemplo dos uniformes do Skate, que estrearam nas olimpíadas esse ano, sirva para lembrarem que antes de serem atletas, existem pessoas vestindo esses uniformes femininos nas olimpíadas!
