Vestindo Autoestima

Cânhamo: A moda usando maconha

Ok, o título do texto foi pensado pra chamar a atenção, mas não deixa de ser uma verdade. Pra quem não entendeu, eu já vou explicar: O cânhamo é uma planta do mesmo gênero da conhecida Cannabis sativa (a maconha), mas de outra espécie – Cannabis Ruderalis, que tem apenas 0,3% da substância psicoativa da maconha e é usada pela indústria da moda já há alguns anos!

Eu adoro falar de tecidos e curiosidades da moda por aqui, e como no mês passado um cliente da consultoria de estilo online masculina me mostrou a mochila dele feita de cânhamo, eu achei que seria um assunto interessante pro blog!

Mas, antes de falar do uso do cânhamo na indústria da moda, vou falar um pouco mais sobre essa planta.

O que é cânhamo?

O cânhamo é o apelido dado a Cannabis Ruderalis, uma planta do mesmo gênero da maconha, a Cannabis Sativa, mas de outra espécie, e é considerada “a maconha industrial”

A Cannabis Ruderalis tem apenas 0,3% da substância psicoativa (THC – tetra-hidrocarbinol) e, por isso, não dá “brisa” – muito menos quando processada e usada como matéria prima para a produção de fibras que podem substituir o algodão para confecção de roupas, bolsas e calçados.

O cânhamo é um material altamente resistente, e por isso também substitui a madeira e o plástico, sendo por isso, uma matéria prima muito mais sustentável (além de renovável, biodegradável e reciclável).

Benefícios de usar o cânhamo na indústria da moda

Eu já falei nesse texto aqui sobre a relação da indústria da moda com o agronegócio, e se você não leu, vale a pena abrir o texto numa outra aba e dar uma lidinha, pra complementar o seu entendimento.

Mas, falando especificamente do cânhamo, existem pelo menos 6 benefícios para que as marcas invistam mais nessa fibra na hora de produzir suas peças:

O cânhamo é uma fibra vegetal diferente

Um benefício extra e muito importante sobre o uso do cânhamo na indústria da moda vem do fato de ele ser uma fibra vegetal diferente das outras fibras vegetais usadas para fazer tecido, como o algodão, o linho e a seda, por exemplo.

Em geral, as fibras vegetais são curtas e resistentes (como a fibra do algodão) ou longas e frágeis (como a fibra da seda), enquanto a fibra do cânhamo é longa e resistente! 

Comparando com as fibras do linho, as fibras de cânhamo tendem a ser mais longas (4–7 pés em vez de 1,5–3 pés para linho) o que é uma coisa boa na margem, já que o comprimento mais longo da fibra, mesmo em variedades de linho, corresponde a tecidos de qualidade superior ( como com linho europeu), e tem uma resistência ligeiramente maior a alguns elementos potencialmente corrosivos, como luz ultravioleta e água salgada. Além disso, o cânhamo tem um rendimento maior por hectare do que o linho (quase 2x em alguns casos).

A roupa feita de cânhamo é boa?

Sim, a roupa feita de cânhamo é muito boa, porque a fibra reúne características muito importantes e valorizadas numa peça, como o conforto, a respirabilidade, a durabilidade da peça e o seu custo x benefício. Como referência, você pode pensar como o linho age no vestuário.

Além disso, se você também é adepta do consumo consciente e sustentável, também vai poder dizer que está usando peças que agridem bem menos o planeta!

Apesar de todos esses benefícios, as leis brasileiras proíbem o cultivo e a venda da Cannabis e produtos derivados no Brasil – incluindo roupas e acessórios, além de medicamentos. Vou falar sobre isso a seguir.

PL 399/15 autoriza o plantio da Cannabis no Brasil

No começo de Junho desse ano, em comissão especial da Câmara foi aprovado o projeto de lei (PL) 399/15, que autoriza o cultivo da planta para fins medicinais e industriais no Brasil.

Com base no texto apresentado em 2015 pelo deputado Fábio Mitidieri (PSD) que defendia a liberação da venda de medicamentos oriundos da cannabis, o PL foi ampliado para incluir também o plantio do vegetal para os usos medicinal, veterinário, científico e industrial.

Para entender um pouco mais sobre a PL 399/15, assiste esse vídeo do Victor Camejo, que virou minha fonte de informações oficial nessa quarentena!

Isso não significa, no entanto, que está autorizado fazer plantio de maconha em casa. Além de ainda ter que passar pelo Senado para se confirmar a lei, a autorização é restrita para empresas que deverão ser acompanhadas de perto por órgãos sanitários.

Caso siga adiante, a legalização do cultivo da planta poderia acelerar a obtenção de remédios em qualquer forma farmacêutica permitida (sólida, líquida, gasosa e semi-sólida) e sem restrição quanto aos critérios para sua prescrição, o que vai diminuir os custos com a importação de extratos da planta, que estavam disponíveis somente fora do território nacional.

As plantas de Cannabis destinadas ao uso medicinal serão classificadas como psicoativas (aquelas com teor de THC superior a 1%), e como não psicoativas (aquelas com teor de THC igual ou inferior a 1% – que é o caso do cânhamo).

ANVISA proíbe o uso do cânhamo na indústria da moda

Apesar da aprovação da PL 399/15, na semana passada eu vi um post no instagram da Ana Scalea (minha professora de tecidos) onde ela explicava que de acordo com a Anvisa, os tecidos de cânhamo são proibidos, o que foi uma notícia que pegou ela (que é especialista no assunto) de surpresa, assim como o comércio e os consumidores.

A Ana explicou que segundo a Anvisa, a importação de tecidos de cânhamo para a produção de roupas é proibida no Brasil — ignorando os limites de sua competência regulatória.
Segundo a Anvisa, a cannabis sativa consta na Lista E da Portaria SVS/MS nº 344/98, que determina quais são as plantas proscritas. Sendo assim, são proibidos a importação, a exportação, a manipulação e o uso da planta, assim como de todas as substâncias obtidas dela e, “como o cânhamo é extraído da planta cannabis, também está proscrito de acordo com a legislação sanitária vigente”.

Contudo, esse posicionamento da Anvisa foi questionado por duas vias diferentes: os limites do texto da Portaria SVS/MS nº 344/98 e as consequências práticas da interpretação da agência: No que diz respeito aos limites do texto, a Portaria SVS/MS nº 344/98 da Anvisa fala de plantas, partes da planta e de suas substâncias. Um tecido processado, sem canabinoides (que é a substância psicotrópica da cannabis), não é parte da planta, nem tem as substâncias mencionadas na portaria. E sobre as consequências práticas, parece absurdo que uma pessoa seja presa com uma pena de 15 anos por estar vendendo roupas!

A indústria da moda já vende peças de cânhamo no Brasil

No post da Ana Scalea, ela falou também na possível criminalização das marcas, que já vendem roupas e acessórios feitas com cânhamo (e inclusive já existem marcas especializadas) há muito tempo, como você consegue verificar numa busca no Google, como a que eu fiz para fazer esse artigo:

Na década de 90 a Adidas vendeu um modelo de tênis que ficou conhecido como “Adidas Hemp”, que ainda é vendido hoje em dia. Desde 2013, a Levi’s usa o cânhamo como matéria-prima para itens selecionados, já que vende jeans e peças que precisam ter boa durabilidade e conforto, além da sua pegada sustentável.

Uma nova marca que nasceu no ano passado, da atriz Marina Ruy Barbosa (Ginger) também divulgou ter produtos feitos com a fibra do cânhamo.

Vale lembrar que o uso industrial de uma substância na indústria da moda está fora das competências da Anvisa, que é um órgão regulador sanitário, e que a lei que proíbe a importação de qualquer item derivado da Cannabis é de 1928! Vários países das Américas, Europa e África já legalizaram o cultivo e comercialização do cânhamo, e essa proibição é um retrocesso que o Brasil precisa repensar.

Atualmente, a China, Coreia do Sul, França, Chile e Holanda são, respectivamente, os maiores produtores mundiais de cânhamo industrial.

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