Hoje eu apresentei a proposta de identidade visual de uma cliente baiana da consultoria de estilo online, e ela adora o artesanato local, usando tanto nos acessórios quanto nas roupas, mas o seu desejo de imagem é sofisticação, e ela perguntou se dava pra usar itens do artesanato brasileiro e parecer sofisticada ao mesmo tempo. Spoiler: Claro que dá!
Quem me segue lá no meu instagram sabe que eu odeio regrinhas prontas (especialmente as mais antiquadas e elitistas) e por isso que esse assunto me incomodou: porque eu sei que o artesanato brasileiro não é valorizado e visto como algo sofisticado pela maioria das pessoas, mas não deveria ser assim.
Por que o artesanato brasileiro não é valorizado?
No Brasil, os itens que são feitos a mão (handmaking) não conferem grande prestígio social e podem ser associados a comunidades de baixa renda e até mesmo escolaridade, fazendo com que a elite local não valorize a expertise do trabalho manual que exige muito mais cuidado e tempo do que os produtos industrializados.
Quando a gente vê o Harry Styles usando essa choker de miçangas, parece cool, gera desejo, vira moda, mas e se ele não fosse famoso? E se fosse uma blogueira brasileira? E se fosse a sua vizinha postando essa foto no instagram?
No material que eu indiquei pra cliente, tinha alguns acessórios usando matéria-prima brasileira, como o capim dourado, uma espécie de sempre-viva da família Eriocaulaceae, que nasce em campos úmidos próximos a veredas em diversas regiões do Cerrado, e pode ser colorido ou com o dourado que é característico.
Perceba que o artesanato é muito usado em peças de marcas mais caras, como o couro trançado característico das peças da marca Bottega Veneta, usando a técnica “intreciatto” em bolsas e sapatos.
Outra marca que cita bastante o artesanato é a Dolce & Gabbana, que também é uma marca italiana. A Itália, assim como o Brasil, é rica em tradições artesanais que mudam de cidade para cidade, e cabe a nós darmos o valor que essas peças e marcas merecem.
Estou citando essas marcas aqui pra mostrar que dá pra ter essas tendências internacionais comprando de vendedores locais, que é uma ação sustentável, ajuda a economia local e valoriza pequenos produtores que têm muito talento.
A sandália de couro da Prada
Em 2021 a Prada lançou na sua coleção de verão uma sandália rasteira feita de couro trançado, que custava 850 euros (cerca de R$4 mil).
A peça logo causou furor, e não apenas pela beleza, e sim pela semelhança com o artesanato brasileiro. “Da feira de Caruaru!!! Brasil!”, postou a atriz Regina Casé, já que o calçado é idêntico ao feito por artesãos da cidade do agreste pernambucano, onde um par é vendido na feira local por 60 reais.
E é óbvio que uma peça da Prada custa mais caro que uma peça da feirinha local de Salvador, porque tem o valor da marca agregado, que é imensurável, e quem paga por um artigo de luxo não está pagando só pela matéria prima e pela mão de obra (como eu falei no artigo sobre comprar bolsas de luxo falsificadas), mas paga por esse status da marca também.
Esses países não estão errados em valorizar o artesanato deles! A gente é que deveria dar mais valor ao artesanato brasileiro, que também é incrível!
O caso da Prada é apropriação cultural?
A internet inteira falou, na época, que esse caso da sandália de couro trançada da Prada poderia ser o primeiro caso de apropriação cultural envolvendo o artesanato Brasileiro, com repercussão mundial.
O termo, muito usado atualmente, consiste no ato de pegar referência de um produto de um local desprivilegiado, sem dar crédito nem retorno aos apropriados.
Algumas reportagens na época disseram que antes de a peça ser retirada de circulação, houve muita discussão dentro do conselho da grife e concluiu-se que o modelo poderia ter inspirações egípcias, marroquinas ou ameríndias, não sendo considerado apropriação cultural, apesar da semelhança com as peças do artesanato brasileiro.
Mas, muito além do questionamento sobre a apropriação cultural, a dúvida maior é por que o povo não valoriza o artesanato brasileiro tanto quanto valoriza o que vem de fora, ou coisas muito parecidas com o que a gente tem aqui com uma etiqueta de uma grande marca internacional?
Outro termo comum que descreve esse fenômeno é a “síndrome de vira-lata”, que serve justamente pra falar de quem acha que aqui a gente não tem coisas boas e de valor, ou que só as coisas gringas são boas.
Artesanato brasileiro de luxo
Ainda falando de artesanato brasileiro de luxo, podemos citar a maior referência do mercado, que é a Martha Medeiros.
Martha é uma estilista brasileira que valoriza a arte das rendeiras do sertão nordestino (uma herança que ela herdou de família), e que é mundialmente reconhecida – mas talvez não seja tão valorizada pelos brasileiros, que para citar o quanto ela é importante, sempre mencionam o fato de ela ter exposto seu trabalho em um museu dedicado à renda, em Calais, na França em 2011, ao lado de outras marcas como Yves Saint Laurent e Dior.
A fama da rendeira chique se espalhou rapidamente e ela vendeu muito suas coleções para multimarcas, até que em 2007 abriu uma loja própria na capital alagoana, que foi um sucesso com seus vestidos de noite.
Martha Medeiros concretizou sua carreira vestindo noivas, ao participar do evento Casar, em São Paulo, o que ajudou a expandir seu negócio para a capital paulistana, abrindo sua primeira flagship nos Jardins, em 2009.
Paula Raia
A estilista Paula Raia (que tem uma marca com o seu nome) também tem peças produzidas em seu ateliê que divulgam o artesanato brasileiro para o mundo todo. As peças passam por um processo manual para ser assegurado que todo detalhe saia conforme o planejado.
A ligação da estilista com a natureza, energia e o universo tem reflexão direta em todas as suas criações, e aparece na escolha de materiais, no estilo e nas cores, resultando em peças delicadas e originais.
Paula também gosta de explorar bordados e acessórios, se tornando uma característica forte da marca o uso de jóias, adornos minimalistas e sapatos que brincam com o artesanato em cada temporada.
Em 2017 Paula Raia lançou uma coleção com a Riachuelo, com 40 peças que mostravam muito do seu estilo, com matérias-primas como crepes, rendas, jeans, sarjas, laises e muitos tipos de linho, e valores entre R$ 49,90 e R$ 469,90. A coleção esgotou em menos de 24 horas no site, e foi um sucesso absoluto – uma oportunidade pra muita gente conhecer o trabalho dela e comprar uma peça, que custa muito mais nas suas lojas.
Eu aprendi a gostar de artesanato com a minha mãe, que era costureira e bordava e tricotava pra família toda, e que me ensinou a ver valor numa peça feita a mão, como o meu vestido de guipir da minha festa de 15 anos que eu usei 10 anos depois, no meu casamento, que foi feito por ela e bordado com uma mistura de amor com técnica, e eu contei um pouco dessa história lá no meu instagram:
Por que o artesanato brasileiro é caro?
Agora que já mostrei o preço de algumas peças usando artesanato em marcas de luxo, você vai perceber que não é o artesanato brasileiro que é caro. Além disso, o conceito de caro e barato varia de pessoa pra pessoa, e tem diferença também entre preço e valor, né?
Mas, respondendo à pergunta: O artesanato brasileiro (e os gringos também!) são caros porque são feitos manualmente e não em escala, por pessoas que têm habilidade e talento para produzir essas peças, uma a uma.
O valor dessas peças é intrínseco, e vai além da beleza das peças e do material usado. Também é uma forma de valorizar o tempo e a mão de obra desses profissionais!
8 marcas nordestinas pra você conhecer
Eu contei aqui como foi ir ao evento da Carandaí 25 aqui no Rio de Janeiro numa edição que trouxe várias marcas nordestinas autorais, que usam o artesanato brasileiro de formas lindíssimas nas peças (roupas, acessórios e sapatos), e vale a pena conhecer as marcas que eu indiquei lá.
Eu sou uma entusiasta do consumo consciente e das marcas autorais brasileiras, e espero que esse texto tenha ajudado a mudar um pouco a sua ideia sobre o valor do artesanato brasileiro!