Na semana passada viralizou nas redes o ebook de estilo do banco Inter, com dicas de dress code, e como eu trabalhei 12 anos em Recursos Humanos antes de virar consultora de estilo em 2014, resolvi falar aqui sobre o assunto e levantar alguns pontos.
Quem acompanha o meu trabalho aqui no site e lá no instagram sabe que roupa de trabalho é um dos meus assuntos favoritos, tanto pela minha experiência quanto por entender a importância da imagem profissional – e a dificuldade que as pessoas têm de saberem o que vestir para trabalhar. Ao longo desse texto vou deixar o link para outros textos que já fiz aqui falando sobre isso, mas vamos começar falando sobre dress code.
O que é dress code empresarial?
Dress code é, literalmente, um código de vestimenta, ou seja, as regras daquela empresa sobre como os funcionários devem se vestir.
Eu já falei aqui sobre a importância do dress code, e quando a empresa define o que ela acha certo e errado, está pensando na imagem que ela quer passar como empresa, através da imagem dos seus funcionários. Não tem nada de errado nisso, né? Mas, até que ponto a imagem da empresa é responsabilidade do funcionário? O que a empresa pode ou não pode exigir?
Dress code x uniforme
Quando as vagas são mais operacionais (como supermercado, por exemplo), ou as pessoas fazem atendimento ao público (como as aeromoças), as empresas dão uniforme para os funcionários, para que eles sejam identificados como representantes da empresa, e o uniforme também funciona para falar sobre a empresa tirando a “pessoalidade” do funcionário, ou seja, mostrando que a pessoa está representando a empresa e não ela mesma.
Já falei um pouco sobre como funciona pensar em uniforme nesse texto aqui, sobre o uniforme dos atletas na Copa do Mundo (que são feitos por grandes marcas, como a Armani e a Gucci), e também mostrei aqui como o uniforme das aeromoças está mudando com o tempo, priorizando o conforto ao invés do conceito antigo de “elegância”, que está sempre vinculado à salto alto e alfaiataria.
Eu sou MUITO a favor do uniforme, porque a maioria das pessoas que trabalha 5 dias na semana gasta muito dinheiro com roupa de trabalho, mas não é todo cargo e toda empresa que “pede” um uniforme, e aí o dress code funciona como uma forma de minimizar a diferença entre a forma como os funcionários se vestem. Quase como se fosse um uniforme comprado com o dinheiro do funcionário, sabe?
Essa diferença acontece tanto pelo estilo e personalidade de cada um, quanto pela relação que essas pessoas têm com a sua imagem pessoal e com o dinheiro. Duas pessoas no mesmo cargo ganhando o mesmo salário podem ter responsabilidades e prioridades diferentes, e esperar que todo mundo use o seu dinheiro da mesma forma é bem cruel – além de ilegal!
Todo mundo de blazer preto, camisa branca e scarpin, o mesmo tipo de maquiagem e perfume (e às vezes até a mesma capinha de celular, como no ebook de estilo do banco Inter, no slide sobre “os inimigos da imagem” que eles citaram e eu vou mostrar a seguir!!!).
O uso de uniforme ou dress code muito rígido é uma tentativa de eliminar a personalidade dos funcionários, pra que a roupa mostre a personalidade da empresa, mas com cada um bancando essa imagem da empresa com o próprio salário. Isso não parece justo, né? E não é mesmo! Por isso, a lei já garante que as empresas paguem os gastos com maquiagem para os cargos que exige que as pessoas estejam maquiadas. A CLT deixa clara a responsabilidade do empregador de oferecer aos funcionários todas as ferramentas para a realização das funções, incluindo roupa, maquiagem e penteados, se o cargo exigir formalmente, como no caso desses códigos de vestimenta.
Nesse trecho, eles sugerem levar as peças à uma costureira pra garantir que a peça tenha um bom caimento, que é um gasto adicional que a maioria das minhas clientes faz apenas com peças especiais e que valem a pena, ou por questões específicas de silhueta (como ajustes), porque é um serviço caro!
Vale a pena dizer que eu indico sempre costureiras para as minhas clientes e realmente pode salvar uma peça e um look, mas, de novo, não é pra ser um custo pago pelo funcionário, se é uma exigência da empresa.
Os inimigos da imagem no ebook de estilo do Banco Inter
Eu sou consultora de estilo desde 2014 e acredito de verdade que cuidar e investir na imagem pessoal e profissional é importante, mas não concordo com alguns pontos citados no ebook de estilo do Banco Inter como “inimigos da imagem”, porque tem coisa que é classista demais, como exigir que as roupas não tenham pilling (bolinha) e manchas, já que é uma característica de roupa usada / velha / mal cuidada, ou que a capinha do celular não esteja quebrada / amassada, por exemplo.
Desde 2014 eu já vi MUITA roupa com pilling no guarda-roupa das clientes. Algumas peças novas, que já têm marcas de atrito por causa do tecido. Substituir essas peças o tempo todo é inviável, tanto por causa do dinheiro que essa pessoa precisaria gastar quanto por causa do impacto ambiental que isso geraria.
Algumas clientes não se incomodam com essas bolinhas na roupa, por vários motivos, mas nenhuma delas acha pilling bonito. O ponto é lembrar que ninguém usa roupa manchada ou um sapato estragado porque quer. Lembra que eu falei lá em cima que pessoas que ganham o mesmo salário podem ter prioridades diferentes e gastar o seu dinheiro com coisas diferentes? Uma mulher solteira que mora com os pais e uma mãe solo que mantém uma casa e filhos sozinha com certeza não vão gastar o mesmo valor com roupas, ter a mesma quantidade de peças ou usar as mesmas marcas.
Muitas pessoas que entram em contato comigo sabem da importância da consultoria de estilo e gostariam de passar pelo processo, mas não têm dinheiro pra isso – e não por ser caro, e sim por não verem esse serviço como essencial. Eu falei sobre a hierarquia das necessidades de Maslow nesse texto aqui e vale muito a pena ler para não repetir regras elitistas como as que aparecem no ebook de estilo do Banco Inter.
Consegue ver que “roupa” aparece na base da pirâmide, como necessidade básica (porque ninguém pode andar pelado), enquanto autoestima está quase no topo da pirâmide? Muita gente se veste sem a intenção de se ver bonita, porque tem preocupações muito maiores, como conseguir pagar a escola dos filhos, por exemplo.
Além do classismo, também tem muito preconceito no ebook de estilo do banco Inter, já que é considerado certo ou bonito tudo que é usado por pessoas de uma classe social superior (normalmente brancos) e já vimos vários casos de pessoas negras serem vistas como inadequadas, mal arrumadas ou até mesmo sujas por causa do cabelo crespo.
Na imagem abaixo, os resultados do Google sobre empresas que já exigiram que mulheres negras tivessem o “cabelo arrumado”, sempre no sentido de alisarem o cabelo para estar mais alinhado com a imagem da empresa.
É muito importante dizer que apesar de imagem pessoal englobar várias coisas, como o comportamento e tom de voz, as consultoras de estilo (como a A. F., que foi contratada para fazer esse material) devem falar de roupa, e não sobre etiqueta!
Estar com o cabelo sujo, chulé e mal hálito (que foram citados no ebook de estilo do banco Inter) podem comprometer a imagem pessoal, porque passam a ideia de sujeira, mas isso não é uma questão de estilo, e sim de cuidados pessoais.
Eu já fiz e apresentei o manual de dress code de várias empresas nos 12 anos que eu trabalhei em RH, e em algumas delas tinha cuidados pessoais, mas eu era uma representante do recursos humanos falando com os funcionários, uma psicóloga organizacional, e não uma consultora de estilo, e eu achei importante trazer isso pra cá pra mostrar o quão errado isso tudo parece.
E apesar de eu defender a existência de um dress code e de a maioria das coisas que estavam no ebook de estilo do banco Inter não serem novidade pra mim, acho que algumas coisas não deveriam estar ali, em pleno 2023:
- Camisa branca fica bem quem qualquer guarda-roupas
- Scarpin como única opção de calçado feminino (porque dá pra ficar elegante e ser formal sem salto alto), principalmente porque o banco Inter não é um banco tradicional, e poderia ter um dress code mais moderno, como a sua proposta e o seu público
- “Dicas que facilitam a vida”, com sugestão de produtos para lavar as roupas e fazer bainha em casa, no maior jeito “não tem desculpa, já estamos te falando como fazer”, colocando mais responsabilidades, gastos e tempo pra cuidar da imagem da empresa do que deveria.
Infelizmente a ausência de um guia de estilo não quer dizer que a empresa não tem um dress code. Não dá pra garantir que as pessoas não serão demitidas por não se encaixarem em padrões, porque o comportamento é avaliado, e tem muita coisa (inclusive no ebook de estilo do Banco Inter) que é resumido em “bom senso”, que é, de novo, subjetivo e classista.
Eu sou a favor do dress code. O que a gente precisa é mudar os padrões.